27.2.08

A vida pulsante dos salões de baile

Antes mesmo de CHEGA DE SAUDADE ser um projeto bem definido, uma coisa já era certa para a diretora Laís Bodanzky: O seu segundo longa-metragem se passaria num universo tão presente na narrativa que, de pano de fundo, se converteria em personagem.

Na entrevista abaixo, a cineasta conta como foi atraída pelos salões de baile e relata a complexidade enfrentada numa produção em que a dança e a música são elementos protagonistas. Laís também fala sobre o ângulo feminino predominante no filme, entre outros temas:

Spoiler: Quais são as principais características de CHEGA DE SAUDADE?
Laís Bodanzky: A meu ver este filme é feminino, e se relaciona muito com este público. Aborda questões universais, mas de um ângulo próprio das mulheres. Trata de situações alegres e dolorosas. Quem vai ao baile em busca de um par entra no jogo da vida, marcado por situações ambíguas e sentimentos conflitantes. Você ganha, você perde. E para ganhar, muitas vezes tem de ceder em algo. Neste contexto, existe a verdade da esposa, e a verdade da amante. A razão da casada, e a da solteira. A vantagem da arrojada e a da tímida. Sem certo e errado. O benefício desta aposta é que estas pessoas conquistam a chance de terem momentos felizes.

Spoiler: Que tipo de baile o filme mostra?
Bodanzky: O filme contém características de diversos salões de bailes. Há ingredientes tanto dos chamados bailes da terceira idade – que na verdade são freqüentados por pessoas dos 30 e 40 anos em diante – quanto de outras casas de forró, brega e samba-rock onde o público é mais jovem. Nosso salão é como a cidade de São Paulo, que é uma salada cultural, que tem representantes de várias regiões do país e do mundo convivendo em harmonia. Isso, pra mim, é lindo. Pode ter japonesa dançando com negro; ruivo europeu paquerando uma senhora de traços indígenas...

Spoiler: Você se identifica, em algum nível, com os freqüentadores dos bailes?
Bodanzky: Eu sou fruto desta mistura. Minha mãe nasceu na Bahia e meu pai em São Paulo. Mas ele aprendeu a falar alemão antes do português. Meus avós paternos vieram da Áustria um pouco antes da Segunda-Guerra. Além disso, sempre gostei de dançar. Fiz aula de bale clássico e jazz. Sou de uma geração que recuperou o gosto pelos bailes. Peguei uma boa fase do brega e forró. Freqüentei casas na Vila Madalena em que a gente dançava ao som ao vivo do Waldick Soriano. Nesta época sentia a mesmo frisson que descobri nos bailes tradicionais.


Spoiler: Foi aí que você notou um mundo pródigo em personagens?
Bodanzky: Pois é, este universo extremamente rico me deu a oportunidade de rodar numa locação-personagem, e fazer um filme de personagens. Eu tinha o desejo de filmar num ambiente que de tão característico é parte integrante, e talvez principal, dos acontecimentos. E que é determinante para o desenho das demais personagens.

Spoiler: Como foi trabalhar com um elenco que mistura nomes históricos e novas estrelas?
Bodanzky: Foi muito prazeroso, além de ser uma honra propiciar para parte do público a redescoberta de grandes atores. Todos atenderam ao convite com entusiasmo e se mostraram completamente disponíveis. Com a Tônia Carreiro e o Leonardo Villar fizemos várias leituras de roteiro. Com o Stepan Nercessian e a Cássia Kiss fomos a alguns bailes, para observar os dançarinos. Com o Paulo Vilhena e a Maria Flor houve mais espaço para experimentação e improviso. Foi um processo muito instigante.

Spoiler: E a convivência com os freqüentadores dos salões que participaram do filme?
Bodanzky: Foi sensacional. Trabalhamos com 150 pessoas que fizeram não apenas figuração. Nós o definimos como elenco de apoio porque eles foram essenciais para conferir ao filme a áurea e a alma dos salões de baile. Eles dançaram durante toda a filmagem, sem ler roteiro, se dedicando exclusivamente a bailar. Vestiram as próprias roupas que costumam usar nos salões. Demonstraram uma vitalidade impressionante!

Spoiler: Que impressões o universo dos salões lhe causa?
Bodanzky: O espírito dos bailes é carregado de uma mentalidade adolescente, só que sem a ansiedade da adolescência. Este é um estado de espírito muito legal. São pessoas que em geral têm problemas e sofrimentos da vida, mas não perderam a alegria, não entregaram os pontos. O ato do baile também é muito interessante porque é uma maneira de você se expressar na vida pela dança e pela música. Todos dançam muito bem. Quem freqüenta baile, adora dançar.

Spoiler: O baile é um ambiente transgressivo?
Bodanzky: Sim, mas uma transgressão madura. Eles não querem guerra, briga. Querem continuar conectados com a energia de vida. Com a libido pulsante. E uma libido sublimada pela música e pela dança. Muitas mulheres resolvem sua libido sem precisar ir para a cama com os homens. Na sensualidade da dança, na paquera, no olhar. Isso alimenta a libido, que está viva e com carga máxima, alimentada por meio de uma expressão artística.

>>>Leia a crítica no SPOILER MOVIES

5 comentários:

Daniell disse...

Nossa eu vi o trailer desse filme e fiquei maluco para assistir! Mal posso esperar.

Kamila disse...

Gosto muito de "Bicho de Sete Cabeças" e, se não me engano, este "Chega de Saudade" é o primeiro projeto dela desde esse filme. Me lembro de uma matéria da SET sobre as filmagens da obra e ela parece ser bem interessante.

Marfil disse...

Kamila: É um filme extraordinário! Daqueles que você sai do cinema procurando aulas de dança. Elenco maravilhoso (Cássia Kiss, Tônia Carreiro, Betty Faria). Produção espetacular. Um filme obrigatório para brasileiros e cinefilos. Lembra O BAILE de Etore Scola.

Gustavo H.R. disse...

Eis um nacional que promete, e muito. A diretora transparece inteligência.

Anônimo disse...

Para vocês que apoiam o cinema nacional, se liguem na mensagem:

Estamos apresentando o novo filme da diretora Lucia Murat, “Maré, Nossa História de Amor”. Com direção de arte de Gringo Cardia e atuação de Marisa Orth, o filme conta a história de amor entre Analídia (Cristina Lago) e Jonatha (Vinícius D'Black), separados pela rivalidade entre facções criminosas das favelas do Rio de Janeiro. Com estréia prevista para 4 de abril, já é um sucesso internacional, e teve sessão lotada no último festival de cinema de Berlim.

Vamos divulgar esse novo grande filme do cinema brasileiro!

Link para o hotsite, e sinopse: http://www.marenossahistoriadeamor.com.br/

Link para o trailer no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=S4R8bM4MHaA

E-Mail: indzooom@yahoo.com.br

Abraços!

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