8.1.08

Sobre pipas e tristes memórias

Em 2003, o livro "O Caçador de Pipas" surgiu do nada como um romance de estréia e rapidamente tornou-se um best seller. Para seu autor, o médico afegão Khaled Hosseini, a popularidade do livro e o filme baseado nele têm sido extremamente gratificantes: "Estou continuamente impressionado com a forma como as pessoas reagiram ao meu romance. Acho que isso ocorreu devido ao intenso núcleo emocional da história, com que as pessoas se identificam. Os temas – culpa, amizade, perdão, perda, o desejo por reparação e de ser melhor que aquilo que se pensa ser – não são apenas afegãos, mas experiências bastante humanas, independente de etnia, cultura ou religião."

Em um país à beira da guerra, OS CAÇADORES DE PIPA flerta com dois melhores amigos de infância, Amir e Hassan, que estão prestes a se separar para sempre. É uma tarde gloriosa em Cabul e o céu explode com a alegria de um inocente torneio de pipas. Mas, após a vitória do dia, o terrível ato de traição do garoto Amir provoca uma catástrofe e uma busca épica por redenção. Vinte anos depois, vivendo nos Estados Unidos, Amir retorna a um perigoso Afeganistão sob a mão forte do Talibã para encarar os segredos obscuros que ainda o assombram e arriscar uma ousada última chance de corrigir seus erros.

Assim, o roteirista David Benioff (A PASSAGEM; TRÓIA; A ÚLTIMA NOITE), foi escolhido para transformar o mundo que Khaled Hosseini havia criado tão ricamente em folhas de papel e num épico, mas mantendo o tom intimista do livro. O grande desafio foi condensar os arrebatadores eventos com duração de três décadas em um filme de duas horas. "Saltos de tempo são difíceis de se acompanhar num filme", explica Benioff, "e, como o romance abrange quase 30 anos, descobrir uma estrutura eficiente de roteiro não foi fácil. A história traz Amir em diversas idades, mas eu decidi logo no início que queria apenas dois atores interpretando o papel. Mais do que isso podia fazer as pessoas perderem a ligação com esse belo personagem. Por isso, o roteiro enxuga a narrativa – ele incorpora quase tudo, simplificando a cronologia. Mas o livro de Khaled é tão forte que acredito que mantenha essa força mesmo com as restrições de espaço e tempo da adaptação para roteiro."

Em seguida, os produtores encararam a tarefa de encontrar um diretor, e o escolhido foi Marc Forster (EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA). "Não importa em que mundo se aventure, Forster sempre acha personagens que o público entende e com que se identifica profundamente." As filmagens levaram Forster da Europa a Cabul, Paquistão e China em uma jornada surpreendente e, por vezes, angustiante, que seria sentida em cada frame do filme.

Enquanto David Benioff ainda escrevia o roteiro, foi tomada a decisão de filmar O CAÇADOR DE PIPAS em dari, uma das duas principais línguas faladas no Afeganistão. Para manter a linguagem fiel ao material, os produtores contrataram uma equipe de pessoas fluentes em dari que ensinou aos atores as pronúncias corretas. E, além dos professores de dari e de outros dialetos, também foram trazidos a bordo conselheiros culturais e pesquisadores para assegurar a verossimilhança do conteúdo do filme.


A busca pela autenticidade também estava na mente de Marc Forster ao pensar na escolha do elenco. Para achar a mistura de qualidades que os papéis dos jovens Amir e Hassan exigiam, Forster chamou a recrutadora Kate Dowd. A busca de Dowd teve início nas comunidades afegãs da Europa, EUA e Canadá. Mas, apesar da origem afegã, muitas crianças testadas que falavam um pouco de dari refletiam na pronúncia os sotaques regionais de onde moravam. "Foi aí que percebemos que precisávamos ir a Cabul para encontrar os meninos e grande parte do elenco. Não íamos encontrá-los em nenhum outro lugar!", diz Dowd. Por um mês inteiro, Dowd esteve em escolas, orfanatos e até mesmo nos parques da destruída Cabul, formando uma lista de candidatos promissores. Forster, que já estava a caminho de Cabul, tomaria a decisão final e, em vez de fazer testes formais de atuação, a primeira coisa que ele pediu às crianças afegãs escolhidas por Dowd foi que soltassem pipas, a fim de vê-las em um momento de descontração e brincadeira. Foi aí que o diretor fez suas escolhas: Zekiria Ebrahami, aluno do ensino fundamental, seria Amir e Ahmad Khan Mahmoodzada e Ali Danesh Bakhtyari, ambos da ARO (Afghan Relief Organization), interpretariam Hassan e seu filho, Sohrab.

"Quando conheci Zekiria, ele era tímido e não falou muito", diz Forster. "Mas havia algo em seu porte, um pouco de pesar, que me intrigava. O pai dele foi morto antes que nascesse, e a mãe o abandonou. Foi por conta dessa tristeza inerente que o achei ideal para interpretar o jovem Amir. Ahmad tinha energia e vitalidade e passava uma sensação de nada a temer, de estar disposto a viver intensamente, algo muito importante ao retratar Hassan. E Ali Danesh me deixava comovido só de olhar para ele. Ele é muito cordial mas, ainda assim, você sente um certo distanciamento, um muro emocional, que é compartilhado pelo personagem Sohrab."

Desde as etapas iniciais de O CAÇADOR DE PIPAS, a questão de onde gravar o filme assombrava a produção. A história ia pedir a recriação de mundos discrepantes que já não existem mais, incluindo a vibrante Cabul dos anos 70 e a Cabul de 2000 devastada pelo Talibã. O set escolhido acabou sendo a China ocidental. Foi na vasta e escassamente populada Província de Xinjiang que encontrou-se os elementos necessários para reproduzir a visão de Marc Forster.

A considerável tarefa de recriar duas Cabuls na cidade de Kashgar ficou a cargo do desenhista de produção Carlos Conti (NOVO MUNDO; DIÁRIOS DE MOTOCICLETA). Marc Forster explica o processo: "Carlos e eu começamos pesquisando imagens e fotos de Cabul e Peshawar e, quando chegamos na China, tínhamos uma visão muito clara do que queríamos. Decidimos usar cores contrastantes para tornar a Cabul dos anos 70 tão bela quanto possível e, então, fazer a Cabul de 2000 cinzenta, refletindo o rigor daqueles tempos."

Em Kashgar, um dos maiores desafios de Conti foi encontrar a correta locação para a casa de Baba, que representa a síntese da sofisticação de Cabul em seu auge. "Vimos muitas fotografias de casas no então prestigioso bairro Wazir Akbar Khan, onde Baba e Amir moravam na história", diz Conti. "Criamos, então, nossa própria casa no estilo arquitetônico da Cabul da década de 70 – mas com o esquema de cores que imaginamos para o filme". Outra importante locação era o Largo das Pipas de Cabul, em que o torneio de pipas atrai todos os olhares para o céu. Benioff comenta "O torneio de pipas precisava ser uma das imagens centrais do filme. E o que eu escrevi em algumas páginas levou um exército para filmar, com 300 figurantes e pessoas nos telhados, ruas e postes. Eu fiquei admirado com a forma que Marc controlou a logística do que parecia ser incontrolável."


Quando Amir e Farid retornam a uma Cabul bastante diferente, sob o domínio do Talibã, a idéia de Conti foi criar um contraste entre a energia das crianças brincando nas ruas e vendedores anunciando suas mercadorias nos anos 70 com o silêncio fúnebre e doloroso de um nada absoluto. "Discuti com Marc a idéia de ter muito pouco no frame e nenhum carro na cena em que Amir e Farid chegam a Cabul. Isso cria uma impressão forte de uma época em que ninguém podia soltar pipas, ouvir música, ver televisão ou ir ao cinema. É uma imagem que, em alguns segundos, permite que se entenda o que houve no Afeganistão. Meu objetivo era trabalhar com imagens simples e fortes”, explica o desenhista de produção.

O trabalho do diretor de fotografia Roberto Schaefer (EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA) também contribui para um aspecto visual naturalista no filme. Schaefer misturou o cru com o épico, dependendo bastante das condições de iluminação disponíveis para ele em Kashgar. Ao mesmo tempo, preencheu a tela com admiráveis paisagens, texturas e cores.

Além de Kashgar e Tashkurgan, a produção filmou também em Pequim – que momentaneamente tornou-se São Francisco. E, a três horas de Pequim, no Estádio Baoding, foi gravada a amedrontadora cena de um apedrejamento talibã, com mil figurantes preenchendo as cadeiras. Depois de filmar por quase um mês na China, a produção foi para os EUA, onde registrou no Parque Cesar Chavez, em Berkeley, a cena de pipa que encerra o filme.

O resultado final de O CAÇADOR DE PIPAS permite que o público viaje de um mundo familiar para um mundo desconhecido. "Espero que, vendo o filme, o Afeganistão pareça às pessoas um local de esperanças, ilusões, sonhos e desejos, como todos os outros lugares do mundo”, diz Khaled Hosseini.

>>>Leia a crítica do filme no Spoler Movies
Cortesia da Paramount Pictures

8 comentários:

Kamila disse...

Muita gente tem dito que este é um dos filmes mais subestimados desse ano. Li o livro e é emocionante. Espero que os envolvidos consigam ter obtido um resultado excelente na adaptação. E este é um filme que eu aguardo bastante.

André Renato disse...

Aposto bastante na sensibilidade desse filme! Espero ansioso por ele...

Anônimo disse...

Apesar de dividir opiniões (não teve o sucesso que se esperava), quero muito ver esse filme. A trama é bastante interessante e gosto de todos os trabalhos do diretor Marc Forster - que já deveria ter duas indicações ao Oscar, por "A Última Ceia" e "Em Busca da Terra do Nunca".

Abraço!

Marfil disse...

Marc Foster é um diretor extremamente versátil e competente. EU aprecio muito seu trabalho. Foi a escolha certa para esse filme

Gustavo H.R. disse...

A despeito das polêmicas e das opiniões divididas sobre o filme, devo criar vergonha na cara e ler logo o livro, antes de ver a adaptação.
E versatilidade poderia ser o nome do meio de Forster - ir de PIPAS para BOND, não é qualquer um que consegue!

Anônimo disse...

Nunca sei em que blog comentar... então comento em todos ^^

Nossa queria muito ler o livro, mas apesar de bastante gente falar bem do filme, não fez tanto sucesso assim.

Mas pretendo ler o livro e ver o filme

Matheus Pannebecker disse...

Gosto muito do livro e aprecio muito o trabalho de Marc Forster. Devo conferir o mais rápido possível!

Anônimo disse...

Pegando carona no comentário do vinícius... acho que Marc Foster é um dosdiretores mais interessantes da atualidade, mas parece que ainda não foi reconhecido como tal pelo grande público (aí fica a questão: será que grande público reconhece??). Suas direções são semrpe de uma sensibildiade tremenda, até mesmo no amalucado, e para mim mais fraco filme de sua carreira "A Passagem", esse sentimento está presente de forma latente. Não sei se já assistisses "Gritos na Noite" dele com a Randha Mitchell, é sensacional, ao mesmo tempo sensível e "soco no estômago". aguardo ancioso este seu último trabalho.

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