Bernardo Bertolucci (1940), é italiano e se tornou conhecido por O ÚLTIMO TANGO EM PARIS (1972). Conquistou nove Oscars com O ÚLTIMO IMPERADOR (1987), épico sobre a vida do último imperador deposto da China. Dirigiu também O PEQUENO BUDA (1993) e OS SONHADORES (2003). Eis suas impressões em entrevista exclusiva para SPOILER!
BERTOLUCCI, Câmera inquieta
Não aprendi a dirigir filmes de modo teórico, e a noção de "gramática" cinematográfica nada significa para mim. E, no entanto, dada minha maneira de pensar, tendo a dizer que, se existe gramática, é preciso transgredi-la. Porque é dessa maneira que a linguagem cinematográfica evolui.
Quando Godard filmou ACOSSADO [1959], a gramática dele era "le jump cut" [transição imediata entre uma imagem e outra] no poder. E o extraordinário é que, caso você assista a um dos últimos filmes de John Ford [1895-1973] -SETE MULHERES [1966]- você se dá conta de que o cineasta, um dos clássicos do cinema hollywoodiano, decerto assistiu a ACOSSADO e adotou o "jump cut" como método, coisa que dez anos antes pareceria inconcebível. Eu, desde sempre, abordo cada plano como se fosse o último, como se devesse aposentar a câmera depois de cada tomada.
Tenho sempre essa sensação de roubar cada uma de minhas tomadas, e nesse estado de espírito é impossível refletir em termos de "gramática" ou de lógica. Hoje em dia, aliás, não preparo nada com antecedência, não faço decupagem nenhuma. Geralmente, tento rever antes de dormir os planos que rodarei no estúdio na manhã seguinte. [...]
Brando e Francis Bacon
A comunicação é evidentemente um fator essencial ao bom funcionamento de uma equipe de filmagem. Mas creio que a chave para uma boa comunicação precisa ser estabelecida antes do começo da filmagem; fazê-la no estúdio é tarde demais. Por exemplo, quando decidi filmar O ÚLTIMO TANGO EM PARIS [1987], convidei Vittorio Storraro (diretor de câmera de todos os filmes de Bertolucci até O PEQUENO BUDA [1993]) para a exposição de Francis Bacon [1909-92] no Grand Palais [em Paris], e lhe mostrei as telas, dizendo que aquela era a espécie de coisa em que queria me inspirar.
E, se vocês prestarem atenção ao resultado final, há luzes alaranjadas no filme que são diretamente influenciadas por Bacon. Depois, convidei Marlon Brando [1924-2004] para ir à mesma exposição e lhe mostrei a tela que se vê no começo do filme, nos títulos de abertura. Era um retrato que, observado no começo, parecia bastante figurativo.
Mas, depois de fixar o olhar no quadro por um bom tempo, a tela perdia o naturalismo completamente e se tornava a expressão do que se passa nas tripas -ou no inconsciente- do autor. Perguntei a Marlon se ele tinha prestado atenção ao retrato e disse que queria que ele criasse a mesma massa de dor. E foi quase só essa -ou pelo menos foi essa a principal- instrução que lhe dei para o filme. [...]
É a câmera que dita minha maneira de dirigir, porque ela se movimenta o tempo todo -e percebo que, nos meus filmes recentes, ela se move ainda mais-, quase como se entrasse em cena, na forma de um personagem invisível do filme. Sou incapaz de resistir à tentação de fazer a câmera se mover. Creio que isso surge da necessidade de forjar uma relação sensual com os personagens, na esperança de que isso se transforme em uma relação sensual entre os personagens. [...] Quase nunca uso o zoom. Não sei o motivo, mas creio que haja alguma coisa de falso nesse movimento. [...]
Aparentemente, um filme consiste em transformar uma idéia em imagem. Mas, de um modo mais secreto, para mim ele sempre foi uma maneira de explorar qualquer coisa de mais pessoal e abstrato. E meus filmes terminam sempre sendo muito diferentes do que eu imaginava, no começo do projeto. É um processo evolutivo, assim. [...]
Houve um momento em que considerava que a contradição era a base de tudo, o motor de cada filme. E foi assim que filmei 1900 [1976], filme sobre o nascimento do socialismo, um filme socialista, por isso, em essência, mas financiado por dólares norte-americanos. Um filme no qual eu misturava atores de Hollywood e camponeses da região do rio Pó [na Itália], que jamais haviam visto uma câmera. Isso me divertiu bastante.
É preciso lembrar que, quando comecei a fazer cinema, nos anos 60, ainda existia aquilo que os cineastas designavam como "a questão Bazin", ou seja, "o que é o cinema?". Era uma espécie de interrogação constante que terminava por se tornar um pouco o tema de cada filme.
Isso acabou porque as coisas mudaram. Mas tenho a impressão de que o cinema está a ponto de sofrer tamanha transformação, de perder a tal ponto sua unicidade, que a questão Bazin voltará a ser atual, e será preciso recomeçar a perguntar, uma vez mais, o que é o cinema.
Por Bernardo Bertolucci, direto para SPOILER
SPOILER
4 Anos
26.11.03 ~ 26.11.07
4 Anos
26.11.03 ~ 26.11.07
2 comentários:
Como nao podia deixar de ser, parabenizo nos dois lugares!
Maurício,
Belo ensaio e contribuição cinematográfica.
Postar um comentário