30.1.08

Notas de um Faroeste Caboclo

O escritor americano vencedor do Pulitzer Cormac McCarthy já era conhecido por suas extraordinárias histórias passadas num oeste americano em transformação quando publicou, em 2003, o livro ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ. No coração da história encontram-se os temas mais recorrentes de McCarthy: o fim galopante do modo de viver no oeste dos EUA; os últimos resquícios de honra e justiça em um mundo despedaçado; a constante luta humana contra a desventura; o humor negro e violência dos tempos modernos; a ação recíproca de tentação, sobrevivência e sacrifício; e, somando à mistura, um toque de amor reconfortante e um fio de esperança na escuridão.

Os complexos personagens e temas simbólicos de McCarthy são tão presentes em ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ que apenas diretores com igual habilidade em contar uma história de forma rica, irônica e ressonante poderiam transformar a força do livro em surpreendentes imagens e diálogos. E é difícil imaginar melhores nomes para essa tarefa do que os vencedores do Oscar® por Melhor Roteiro com FARGO, Joel e Ethan Coen. Os Coen conheceram o livro de McCarthy através do produtor Scott Rudin (NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO). "Ele o trouxe até nós achando que poderíamos sentir uma afinidade pela história", lembra Ethan, "e nós gostamos mesmo do livro. Vimos que dava para criar algo com ele."

Os Coen, então, partiram para adaptar a história em uma estrutura cinematográfica, e o resultado foi um filme que os levaria a um novo território. "Há bastante humor no livro, apesar de não ser uma comédia", diz Joel. "É certamente muito sombrio – e essa foi nossa característica determinante. O livro também é bastante sangrento. Então, esse é, provavelmente, o filme mais violento que já fizemos."

No coração de ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ estão seus personagens – homens e mulheres que vivem em um oeste em rápida transformação, onde o descumprimento de leis levou a um novo mundo de tráfico internacional de drogas e antigas regras não mais se aplicam. Chocado com essa nova realidade, xerife Bell representa uma inconsolável nostalgia pela forma mais honrosa como tudo era antes. "O filme fala, em parte, da perspectiva do xerife Bell sobre o passar do tempo, e de envelhecimento e transformações", diz Joel Coen.


Considerando quem poderia viver esse contemplativo personagem, o vencedor do Oscar® e do Globo de Ouro por Melhor Ator Coadjuvante em O FUGITIVO, Tommy Lee Jones logo veio à mente dos irmãos Coen. "Xerife Bell é a alma do filme, e a região oeste faz, de forma fundamental, parte dele. Então, precisávamos de alguém que entendesse isso", comenta Joel. Ele continua: "É um papel que requer também um tipo de sutileza que apenas grandes atores possuem. Essa lista é bem pequena, então, quando se junta os dois critérios, o nome que surge é Tommy Lee Jones. Sendo texano, a região é parte do que ele é." Para Jones, o papel era irresistível, apesar de ter sentido uma hesitação inicial. "Já atuei muitas vezes como policial texano", reflete o ator, "então pensei bastante antes de aceitar o trabalho. Mas a atração de trabalhar com o material de Cormac McCarthy foi irresistível." Jones leu o livro de McCarthy pouco depois de ser publicado e já naquela época ficou intrigado – e mais ainda quando soube que os irmãos Coen adaptariam a história.

Para os Coen, escalar o ator que viveria Llewelyn Moss foi um desafio maior. Moss, veterano do Vietnã, é um texano decente que provavelmente nunca cometeria um crime – até se deparar com uma grande quantia de dinheiro de venda de drogas que parece pertencer a um grupo de homens mortos. Joel diz: "Nessa história, você tem o mocinho e o bandido, e Moss é um meio termo." Essa característica foi difícil de se encontrar. "Pensamos que seria fácil achar Moss", ri Ethan, "porque, na nossa cabeça, simplesmente precisaríamos de um garoto bonzinho. Mas é difícil incorporar isso sem parecer tedioso ou sendo de fora da região." Por fim, os diretores encontraram um ator que levava uma presença dinâmica, com um toque distinto do oeste, ao papel: Josh Brolin (PLANETA TERROR). "Josh cresceu em um rancho e por isso tinha idéia de onde Moss vinha", explica Ethan. Josh Brolin é fã de McCarthy e leu o livro muito antes de ver o roteiro. "É uma das histórias mais incríveis, violentas e bem escritas que eu já li", diz Brolin.

Formando o terceiro vértice do tenso triângulo moral está Anton Chigurh, o assustador e desequilibrado vilão que não deixa testemunhas por onde passa. O obscuro personagem precisaria de um ator capaz de alcançar extrema intensidade. "Queríamos um ator que conseguisse expor Chigurh de forma substancial, mas sem revelar muito, mantendo um certo mistério – daí, Javier Bardem (MAR ADENTRO)", explica Joel. Ao desenvolver o personagem, o ator espanhol trabalhou bastante com os Coen. "Conversar com Joel e Ethan mudou a minha perspectiva, e o personagem tomou forma de alguém mais interessante, complexo e engraçado", ele diz.
Ao lado desse trio de homens, estão duas igualmente interessantes mulheres.

Para o papel de Carla Jean, esposa de Moss, foi escolhida a atriz Kelly Macdonald, que surpreendeu os diretores durante o teste. "Ao mesmo tempo em que nosso discurso era de que não dá para fingir ser da região, chamamos Macdonald, uma atriz escocesa de Glasgow", ri Joel. Tommy Lee Jones também ficou satisfeito com a escolha: "Kelly faz o sotaque do Texas perfeitamente", comenta Jones, ator genuinamente texano. "Nos intervalos, ela era uma doce menina da Escócia, mas, quando as câmeras eram ligadas, virava uma garota texana bastante durona. Fiquei impressionado."


Outra relação familiar no filme é o do xerife com sua mulher Loretta, personagem essencial para ajudar a definir Bell. Quem vive Loretta nas telas é a atriz nascida no Arkansas, Tess Harper. "Loretta é a âncora que segura o xerife onde ele precisa estar. Ela é seu porto seguro na tempestade", comenta a atriz.

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ se desenrola contra um dos cenários mais viscerais e mistificados dos Estados Unidos: a fronteira do Texas com o México, em que dois países são divididos pelas margens do Rio Grande. Para captar com autenticidade o local, a produção viajou para as secas planícies do oeste do Texas e para o deserto do Novo México, onde os Coen trabalharam mais uma vez com o diretor de fotografia Roger Deakins (O ASSASSINATO DE JESSE JAMES; A VILA; KUNDUN). "O cenário é um dos motivos que nos levaram a fazer o filme", diz Ethan Coen. "Rodamos nosso primeiro filme, GOSTO DE SANGUE, em Austin, mas também viajamos para o oeste do Texas, e ficamos atraídos pelo local antes mesmo de ler o livro." acrescenta Joel. "É um lugar com um histórico de violência e de ser, de certa forma, inóspito. Como em todos os livros de Cormac McCarthy, o local é também um personagem – e não pode ser separado da história", conclui.

Para aumentar a tensão de ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, Deakins usou a iluminação como um meio de contar a história. "Gostei de contrastar o brilho dos exteriores com a escuridão dos interiores e a sensação desbotada da paisagem com as cores brilhantes do mundo noturno", ele diz. "Um dos maiores desafios foi fazer uma transição suave do amanhecer ao anoitecer no local da ‘entrega das drogas’ e no rio. Lidamos com isso da melhor forma possível filmando na luz do amanhecer e no cair da noite, e recriando um falso raiar do dia com iluminação artificial."

A filmagem propriamente dita teve início em Marfa, Texas, cidade mais conhecida como o local onde foi filmado o épico dos anos 50 ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE. Lá, o jovem desenhista de produção Jess Gonchor buscou com os Coen as locações certas para as cenas mais dramáticas do filme. Para Gonchor, a chave era a discrição: "Os Coen fizeram um trabalho tão bom com o roteiro que eu não quis roubar a cena de nada – eu só queria somar à história com o cenário que criei", diz. Um de seus maiores desafios foi criar a cabana de Ellis – onde o xerife Bell, à beira do desespero e precisando de conselhos, visita o tio, um xerife aposentado. Gonchor lembra-se: "Nós pré-fabricamos a estrutura em Santa Fé, onde Joel e Ethan podiam ver seu desenvolvimento. Depois, pintamos, envelhecemos, ornamos e levamos a cabana toda de caminhão para o Texas."


Apesar da grande distância entre as locações, das condições climáticas imprevisíveis, de criaturas venenosas do deserto e de altas temperaturas, usar locações autênticas mostrou-se inestimável, oferecendo a atmosfera pungente e solitária que faz a fronteira do Texas ser ao mesmo tempo tão cruel e poética.
Em seguida ao trabalho no Texas, a equipe foi para Las Vegas, não a cidade paraíso dos cassinos, mas uma cidade histórica do estado do Novo México, onde as atemporais ruas no estilo do oeste e icônica praça do centro da cidade puderam servir como diversas cidadezinhas texanas.

Lá foi também local de outra maravilha pré-fabricada de Gonchor, o posto de fronteira entre os EUA e o México que no filme vai de Eagle Pass, Texas, para uma pequena cidade mexicana. O falso posto de fronteira foi construído no viaduto da estrada University Boulevard, em Las Vegas, e foi preciso fechar a ponte e saída da estrada por uma semana enquanto a estrutura de aço de 22 toneladas era puxada e encaixada no lugar. Moradores de Las Vegas não se abalaram, mas turistas e motoristas de fora da cidade que passaram por lá ficaram intrigados com o posto de controle entre os EUA-México ter se mudado tanto para o norte, como se o Novo México fosse, afinal, realmente parte do México!

O aspecto visual de ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ também estende-se aos personagens, principalmente a Javier Bardem, que exibe no papel de Chigurh um contemplativo corte de cabelo, criado pelo cabeleireiro vencedor do Oscar® por AMADEUS Paul Leblanc. "Trabalhei bastante próximo à estilista Mary Zophres na criação desse visual para o personagem de Javier", diz Leblanc. "Queríamos que ele ficasse estranho e assustador, mas não exagerado. Então criei esse corte original para dar uma idéia de que ele é realmente misterioso – alguém que faz nos pensar "de onde veio esse cara?" – mas sem necessariamente mostrar que ele é um assassino. Digamos que é um corte dubiamente histórico – pode ser tanto do século 17 quanto dos anos 70", acrescenta.

Com detalhada preocupação tanto com o conteúdo do roteiro de ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ quanto com o visual de suas cenas e personagens, os irmãos Coen – também responsáveis pela edição do filme, sob o pseudônimo de "Roderick Jaynes" – fazem um belo casamento entre a complexa e freqüentemente bem-humorada voz de McCarthy com sua própria visão da história. O resultado é um trabalho incrivelmente cativante – e repleto de ação.

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ concorre a 8 Oscars, incluindo Melhor Filme, Diretor e Roteiro Adaptado. Leia a crítica do filme no Spoiler Movies

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá! Suas críticas são muito bem escritas, possuem até um ar poético ao mesmo tempo realistas e certeiras.

Tentei conseguir seu contato pelo blog e não encontrei nada, assim que espero entrar contato.

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André Renato disse...

Vi esse filme hoje. Fique muito, muito impressionado... Obra-prima!

Anônimo disse...

Gostei do filme, muito mesmo, mas a última cena é um pouco frustrante. Quero dizer, tem tudo a ver com o título original e é um bom desfecho, mas não deixa de ser decepcionante. Enfim, preciso rever, mas por enquanto é o que menos prefiro que vença o Oscar (dos quatro que vi, só faltando "Sangue Negro").

Marcelo Augusto disse...

Nao gostei muito... o final tao e fiel a musica... o joao tinha que falar " Jeremeias eu so homem coisa que voce nao e....." Me decpicionei

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