26.8.07

Festival de Veneza reflete "desejo de reparação"


Adaptação de livro de McEwan e cópia nova de INTOLERÂNCIA marcam abertura

Oficialmente, o 64º Festival de Veneza será inaugurado hoje com a co-produção anglo-americana DESEJO E REPARAÇÃO, de Joe Wright, e encerrado dia 8 de setembro com o chinês BLOOD BROTHERS, de Alexi Tan, produzido por John Woo.

Extra-oficialmente, porém, dois outros eventos balizam o festival: as projeções das cópias restauradas de INTOLERÂNCIA (1916), de David Wark Griffith (na abertura), e A IDADE DA TERRA (1980), de Glauber Rocha (no encerramento). Trata-se de uma bela carta de despedida de Marco Müller, que termina, neste ano, seu mandato de quatro anos como diretor artístico de Veneza.

DESEJO E REPARAÇÃO é a esperada adaptação de "Atonement", de Ian McEwan, lançada no Brasil pela Companhia das Letras como "Reparação". A grande dúvida é se Joe Wright, diretor da competente -porém "genérica"- versão de ORGULHO E PRECONCEITO, de Jane Austen, de 2005, foi capaz de fazer um filme à altura do livro.

Seu lugar de destaque faz sentido no desenho que Müller imprimiu à seleção (57 longas, 22 em competição). "Reparação" é a história de uma mulher que passa a vida tentando reparar um erro de juventude.

Em entrevista à Associated Press, Müller afirmou que o programa reflete um "desejo de reparação, de escapar de um certo modo de vida, um certo momento da história. Algo evidente em alguns filmes selecionados é que eles querem se afastar da política da guerra".

Dois longas da competição refletiriam esse sentimento: REDACTED, de Brian De Palma, reunião de histórias de soldados americanos no Iraque encenadas por atores desconhecidos, e IN THE VALLEY OF ELAH, de Paul Haggis (seu primeiro filme como diretor depois do Oscar por CRASH), história de um jovem soldado que desaparece depois de voltar do Iraque.

Para festejar os 75 anos da primeira edição do festival (interrompido na Segunda Guerra e maio de 68), Müller caprichou nas retrospectivas. Uma série de mostras dialogará com filmes da competição, com destaque para o faroeste. Quentin Tarantino apadrinha mostra dedicada ao "western spaghetti", com 32 filmes realizados na Itália entre 1964 e 1976.

Filmes sobre Iraque lançam sombra sobre Festival de Veneza

Dois filmes sobre a guerra do Iraque e seu impacto sobre os americanos nos Estados Unidos estão entre os 22 trabalhos da competição oficial do Festival de Veneza deste ano, conferindo peso político a um evento repleto de produções de Hollywood.

IN THE VALLEY OF ELAH, de Paul Haggis, com Tommy Lee Jones, Charlize Theron e Susan Sarandon, é o filme ansiosamente aguardado baseado no assassinato verídico de um jovem soldado americano que retornou do Iraque. O filme vai competir com REDACTED, de Brian de Palma, a história de uma unidade do Exército americano que persegue uma família iraquiana. O filme também analisa a cobertura do conflito pela mídia.

Outros filmes a tratar de questões candentes em Veneza serão MICHAEL CLAYTON, com George Clooney no papel de um agente que faz trabalhos sujos para uma grande empresa, o italiano IL DOLCE E L´AMARO, sobre a Máfia, e o egípcio HEYA FAWDA, que destaca a brutalidade policial.

O festival é uma vitrine importante do cinema de arte mundial e um dos primeiros eventos precursores do Oscar, que acontece em fevereiro. Em 2005, O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN, de Ang Lee, recebeu o Leão de Ouro de melhor filme em Veneza e acabou obtendo oito indicações ao Oscar.

Seis dos filmes da competição principal são produções americanas e quatro são britânicas, conferindo um destaque incomum ao cinema falado em inglês, este ano.

Lee Marshall, crítico de cinema da revista Screen International, disse que "este festival será ótimo para o lado mais independente do cinema anglo-saxão, mas há ausências importantes do resto do mundo".

Para ele, a América do Sul, o sul da África e partes da Ásia estão subrepresentados na competição principal de Veneza e também nas seções especiais.

As outras produções americanas principais que estarão na competição principal são O EXPRESSO DARJEELING, com Owen Wilson e Bill Murray, THE ASSASSINATION OF JESSE JAMES BY THE COWARD ROBERT FORD, com Brad Pitt, e I´M NOT THERE, em que Cate Blanchett faz o papel do cantor e compositor Bob Dylan.

Os quatro filmes britânicos incluem DESEJO E REPARAÇÃO, que vai abrir o festival e é baseado no aclamado romance Reparação, de Ian McEwan, sendo estrelado por Keira Knightley, e SLEUTH, de Kenneth Branagh, um remake do thriller de 1972 baseado num roteiro do Prêmio Nobel Harold Pinter. Ang Lee estará de volta com um thriller de espionagem da 2.ª Guerra Mundial falado em chinês, LUST, CAUTION.

Alguns dos grandes nomes fora da competição em Veneza este ano incluem Woody Allen, Colin Farrell, Richard Gere e Scarlett Johansson. O diretor americano Tim Burton será homenageado com um prêmio pelo conjunto de sua obra.

Presença do Brasil no Festival de Veneza é pequena

Será pequena a presença brasileira em Veneza, mas que poderá causar certo agito. CLEÓPATRA (interpretada por Alessandra Negrini) marca a participação de Julio Bressane, diretor de muito prestígio em Veneza, aliás, em toda a Europa, desde que ganhou uma retrospectiva completa de sua obra na França e foi apontado, pela Cahiers du Cinéma, "como um diretor que não podemos desconhecer".

Nos festivais europeus, as obras de Bressane são sempre bem recebidas, por um público que pode não ser o mais numeroso do mundo, mas é dos mais qualificados. Foi assim com DIAS DE NIETZSCHE EM TURIM, em Veneza, e FILME DE AMOR, em Cannes. Bressane é considerado um autor e não está na seção dos mestres de Veneza, ao lado de Woody Allen e Manoel de Oliveira, por acaso ou concessão sentimental com o Terceiro Mundo.

Já em relação a Glauber Rocha, a questão é outra. Morto em 1981, Glauber é hoje considerado na Europa um dos grandes inventores da linguagem cinematográfica em toda a história. Críticos sérios reverenciam seu nome como nós aqui reverenciamos Antonioni, Bergman, Buñuel, Welles. Quer dizer, como alguém cuja obra deve ser não apenas conservada e revista, como estudada, pois tem o significado de contribuição permanente à arte cinematográfica universal.

Acontece que Glauber concorreu ao Leão de Ouro com A IDADE DA TERRA no Festival de Veneza de 1980 e foi derrotado. Inconformado com a decisão, promoveu uma passeata no Lido, chamando o júri de colonizado e o público, que também não curtiu o filme, de alienado. No ano seguinte, Glauber morreu em Portugal. Alguma coisa ficou irresolvida em relação a Veneza. Será interessante ver como será a releitura dessa obra 27 anos depois. O documentário ANABAZYS, apresentado na mostra Horizontes, complementa essa tentativa de reatar esses fios soltos da história do cinema. É dirigido por Joel Pizzini e por Paloma Rocha, filha do cineasta.

Por Pedro Butcher (Folha de São Paulo), Luiz Zanin Oricchio (Estadão) & Mike Collett-White (Reuters)

2 comentários:

Gustavo H.R. disse...

Assistir a um dos clássicos de D.W. Griffith restaurado deve ser uma ocasião muito especial, para se dizer o mínimo. E a seleção oficial e,polga mais do que a de Cannes.

Anônimo disse...

"Desejo e Reparação" ainda é o filme mais esperado esse ano por mim, mas fiquei um tanto desconfiado com a recepção em Veneza. Muitos elogiaram, mas também tivemos aqueles que acharam a obra vazia e inferior ao livro. De qualquer forma, acho que o Festival ainda terá boas surpresas - estou confiante quanto a "Redacted" e "Sleuth".

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