16.2.08

Tão perto, tão longe

Berlim (Dia 9): É preciso esperar pelo último filme exibido em competição oficial - e é mesmo, cronologicamente, o último - para encontrar um cineasta novo. Novo, no sentido de assinar o seu primeiro filme e de, ao fazê-lo, propor uma linguagem própria e uma identidade perfeitamente definida.

Mais: Lance Hammer é um cineasta americano formado no sistema de produção dos grandes estúdios (como diretor artístico) e "apadrinhado" por gente que fez carreira na indústria (o produtor Mark Johnson, durante muitos anos sócio de Barry Levinson, o realizador de RAIN MAN, e o diretor Andrew Adamson, autor do primeiro SHREK e de AS CRÔNICAS DE NÁRNIA). Mas o que faz um filme que recebeu o prêmio de "excelência em direção" em Sundance 2008 e que a crítica tem identificado com o realismo social dos irmãos Dardenne ou com a austeridade de Carlos Reygadas?

BALLAST é tecnicamente um filme independente americano e criativamente um filme europeu. Pega numa história que, contada no modo narrativo tradicional, daria para uma curta: depois da morte do pai, uma criança de 12 anos é apanhada no meio de uma guerra entre o tio (irmão gêmeo do pai) e a mãe (que já estava dele separada) pela casa e a loja da família.

Mas o que interessa a Lance Hammer não é a narrativa. Ou antes: o que lhe interessa é o que fica por dizer entre os (esparsos) diálogos. O modo como Lawrence (o irmão), Marlee (a esposa) e James (o filho) vivem longe, como a paisagem desolada, chuvosa, cinzenta, o isolamento rural, o “nada” são tantas prisões que os impedem de voar para outro longe.

Sobretudo: como os adultos podem dar cabo da vida dos filhos, como as pessoas tentam reconstruir as suas vidas depois de uma tragédia. E como é possível encontrar a esperança dentro de nós quando parece não haver nenhuma à vista; e como às vezes basta um pequeno passo aqui tão perto para fazer uma grande diferença.

Construído a partir de improvisações coletivas por um elenco de atores não profissionais da zona do Mississipi, onde foi rodado, substituindo qualquer tipo de música por um trabalho notável de mixagem de som (ecos de Gus van Sant), BALLAST é um objeto de singular liberdade criativa que revela uma vontade e uma postura estética absolutamente rara no atual cinema independente americano. É um filme que não faz concessões de espécie nenhuma: quem quiser que o siga.

(Não houve muita gente disposta a isso, na primeira projeção de imprensa, a julgar pela percentagem de abandonos; mas isso é mais uma conseqüência da sua programação tardia no festival e do tom autoral demasiado raro na seleção oficial deste ano).

BALLAST não é um filme perfeito, mas o que lhe falta em perfeição, se compensa em emoção, alma e crença no poder da imagem em movimento. É uma das melhores estréias em muito tempo e o sexto grande filme de Berlim 2008 - E o mais forte candidato outsider ao Urso de Ouro.

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