Por semanas, o número de visitantes chineses a Hong Kong cresceu devido a uma nova categoria de turistas: freqüentadores de cinema.
Em resposta à censura a um filme sobre amor e traição em Xangai durante a Segunda Guerra Mundial, de autoria do diretor nascido em Taiwan, Ang Lee, os fãs de cinema do continente têm viajado aos milhares até Hong Kong para assistir a versão integral, sem cortes, do filme LUST, CAUTION.
O fenômeno de tantas pessoas expressarem sua opinião com seus pés acentuou a rápida mudança de postura da população em relação à antiga e não questionada prática do governo de censurar as artes, provocando um debate sobre a forma como os filmes são regulados na China.
As pessoas já viajaram antes para Hong Kong para assistir filmes, é claro, mas sempre em números muito menores. Críticos e comentaristas daqui atribuíram o interesse pelo filme de Lee a vários fatores, do boca a boca sobre o conteúdo sexual obsceno cortado na versão censurada, aos temas políticos sensíveis nas entrelinhas, algo raramente visto no cinema do continente, passando pela fama do diretor vencedor do Oscar.
Mas talvez mais importante seja a ascensão de uma classe de cidadãos urbanos mais abastados nas cidades mais ricas do leste, que está crescendo mais acostumada do que nunca a ter mais opções em suas vidas.
"Eu fui para Hong Kong com minha namorada para assistir LUST, CAUTION porque foi muito censurado aqui", disse Liang Baijian, 25 anos, um empresário e investidor em ações da região autônoma de Guangxi. "A gente podia ter comprado uma cópia pirata do filme aqui, mas estávamos descontentes com o controle e quisemos apoiar a versão legal do filme."
Pelo menos um fã de cinema chinês tentou processar a Administração Estatal de Rádio, Cinema e Televisão, que regula o setor, por cortar parte do conteúdo do filme. O diretor, Lee, disse que o material censurado foi considerado politicamente inaceitável em Pequim por reforçar a noção de afinidade entre uma jovem mulher chinesa e um colaborador da ocupação japonesa. O processo foi repetidamente rejeitado pela Justiça em Pequim.
Muitos na indústria cinematográfica chinesa apóiam a idéia da introdução de um sistema de classificação semelhante ao usado nos Estados Unidos, que seus defensores dizem que reduziria a necessidade de censura direta. Mas a administração estatal tem resistido até o momento.
Apesar de muitos terem sido atraídos a LUST, CAUTION pelas cenas de sexo, que no momento variam de comportadas e inexistentes em grande parte do cinema chinês, ainda mais inovador é a noção de um traidor em um papel principal ser retratado como um personagem atraente em vez de um vilão.
"O país sem dúvida está se tornando mais e mais aberto e avançado, e esta é a maré da história, que ninguém pode impedir", disse Fang Li, um importante produtor. "Em comparação com a economia de mercado que está se desenvolvendo tão rapidamente, eu nunca vi uma indústria na China tão atrasada como a indústria cinematográfica."
Outros críticos do sistema disseram que os censores do país se tornaram muito mais cuidadosos em não deixar impressões digitais. Wu Di, um pesquisador do Centro de Arte Cinematográfica da China, em Pequim, disse que quando o diretor Tian Zhuangzhuang filmou O SONHO AZUL (também conhecido como O PAPAGAIO AZUL), um filme de 1993 sobre o assunto proibido da Revolução Cultural, um nota correu por toda a indústria cinematográfica alertando para que as empresas não mais o contratassem no futuro. Tian emoldurou um dos cartazes e o pendurou na parede, se referindo a ele nas entrevistas aos jornalistas.
"Agora, na chamada sociedade harmoniosa, eles não fazem as coisas de forma tão grosseira", disse Wu. Em vez de publicarem um aviso de proibição, atualmente o mesmo resultado é obtido com alguns poucos telefonemas, o que deixa pouco rastro.
Li Yu, diretora do recente filme PERDIDO EM PEQUIM, que possui alguma nudez, disse que se esforçou para permanecer positiva, mesmo depois de ter sido forçada a cortar vários minutos de seu filme.
"As pessoas que fazem filmes na China entendem bem a situação, e muitas delas criticam o sistema, dizendo que a censura as impede de fazerem bons filmes, o que em parte é verdade", disse Li. "Mas sinto que o ambiente está se tornando mais e mais relaxado."
Por Howard W. French - New York Times
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3 comentários:
Olha que matéria legal. O melhor é ver as pessoas preferindo prestigiar o filme, ao invés de comprar as cópias piratas.
A China tem que aprender a dar mais alguns passos em certos setores... Pelo menos houve interesse por parte do público!
Puxa, achei extremamente interessante essa notícia! Imagina só, ter que viajar uma longa distância para ver um filme! Isso que é amor pelo cinema - e, claro, pela liberdade de expressão. Sabe se já tem data para chegar ao Brasil?
Marfil, desejo um excelente Ano Novo para você e toda sua família. Um abraço e feliz 2008!
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