20.7.07

Ratatouille, o Encouraçado Potemkin da era digital

Já vi tudo quanto é filme de verão de Hollywood. Vi o chatérrimo Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, cujo chamariz é a canastrinha sensual Jessica Alba. Já vi Harry Potter e a Ordem da Fênix, que carrega nas tintas da ação, quase como uma Guerra nas Estrelas em Hogwarts. Já vi Treze Homens e um Novo Segredo. Aliás, para que tanto homem e tanto segredo? Certamente, para encobrir a falta de sal no filme. Shrek Terceiro também vi, uma cornucópia barroca de trivialidades e piadas bobas. E Shrek disputa pau a pau nos Estados Unidos com Transformers, brincadeirinha militarista lançada há seis dias e já um dos maiores sucessos de todos os tempos, com uma arrecadação imediata de 262.541,048 de dólares! No Brasil, Shrek Terceiro concorre com Quarteto Fantástico, em primeiro e com Ratatouille, em segundo - e já foi visto por 360 mil espectadores brasileiros. Mas, com o passar do tempo, aposto que Ratatouille, produção da Disney-Pixar com direção de Brad Bird, diretor de Os Incríveis (outra animação da Pixar), vai ficar na memória do público.

Explico por quê. O boca-a-boca ainda funciona, mas há o motivo anterior à difusão de opiniões, que é a qualidade. Ratatouille é uma obra-prima da animação gráfica, um dos filmes mais bacanas que vi este ano. A história do ratinho Remy em busca de seu sonho de se tornar chef na capital da cozinha, Paris, delicia crianças e principalmente adultos. Isso porque trata de um tema da moda - a gastronomia - com ironia, sensibilidade, inteligência e, principalmente, engenho visual e sonoro (a trilha-sonora, de Michael Giacchino, é especialmente refinada). Remy é o rato mais expressivo da história dos desenhos animados. Ele manifesta sentimentos com gestos econômicos, como na hora em que o medíocre Linguini, assistente de cozinha, pergunta-lhe se sabe cozinhar. Remy, preso a um vidro, dá de ombros como a dizer: “Acho que sei alguma coisa, vê se se toca, cara!” Ele segue à risca o que diz o título do livro de seu mestre, o chef Gusteau: “Todo mundo pode cozinhar” É claro que ninguém contava que seres não-humanos estivessem incluídos nessa generalização.

Remy é um personagem rico. Suas dúvidas existenciais e dilemas - ser ou não ser rato, seguir ou não a vocação, roubar ou não roubar comida - fazem com que espectador se identifique e se comova com ele. A grande causa que está no cerne de Ratatouille é salvar o restaurante de Gusteau da ruína e da massificação. Skinner (atenção para a ironia extra: Burrhus Frederic Skinner é o filósofo comportamentista seguidor de Pavlov, que desenvolveu sua tese observendo ratos), o sucessor do dono quer vender burritos e outros salgadinhos para microondas com o nome e a figura de Gusteau. Remy resistirá e ensinará o filho bastardo de Gusteau, Linguini, a reabilitar a casa. O crítico Anton Ego é peça-chave para restaurar a reputação do estabelecimento. Suas observações são para amantes da cozinha e da crítica. Ele descobre o sabor da infância, proustianamente, por meio do prato - a Ratatouille, um picadinho de legumes - que lhe prepara Rémy. Curiosamente, o diretor Brad Bird é responsável por alguns episódios da animação adulta O Crítico, que passa na TV paga. Em Ratatouille, o crítico finalmente encontra um papel edificante no cinema - mesmo que sendo o de consagrar os ratos em detrimento dos homens.

A seqüência da tomada de poder dos ratos na cozinha do restaurante Gusteau é memorável. Os roedores, sob o comando de Remy, assumem as posições, observando total disciplina hierárquica. É a ironia total: os maiores inimigos do sistema sanitário se tornam os reis da panela. Para tanto, passam por uma higienização numa máquina de cozinha. O inspetor sanitário aparece bem nessa hora e só não desmaia porque é capturado pelos ratos e jogado na câmara fria. Enfim, os realizadores do filme provam que o gosto é um sentido que vai além do humano.

Quando um rato questiona a condição de criatura mais desprezível da cadeia alimentar e mete a colher na esfera humana mais sofisticada, ele está propondo uma grande inovação. Ratatouille é o Encouraçado Potemkin da era digital. A exemplo do filme panfletário pró-soviético de Serguei Eisenstein lançado em 1925, em que uma tripulação se subleva e inicia a guerra civil na Rússia, a animação de Brad Bird converte os roedores em agentes revolucionários. A reivindicação dos ratos é das mais justas: “Luxo para todos!”

  • Confira a resenha do filme aqui!
    Por Luis Antonio Giron - Revista Época
  • 7 comentários:

    Vinícius P. disse...

    Quem diria que uma animação seria o grande filme do verão americano? Acredito que "Ratatouille" seja uma obra-prima que será lembranda por muitos anos, não só por sua inegável qualidade técnica, mas também por marcar definitivamente a era das animações digitais. A trilha do Giacchino é mesmo muito boa, não canso de escutar. Brad Bird é o diretor do futuro!´

    Até agora, dessa temporada de blockbusters, minha classificação fica assim:

    1. Ratatouille
    2. Piratas do Caribe: No Fim do Mundo
    3. Homem-Aranha 3
    4. Treze Homens e Outro Segredo
    5. Transformers
    6. Shrek Terceiro
    7. Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado

    Vejo "Harry Potter" hoje. Bela análise!

    Anônimo disse...

    Marfil, se puder apareec la no blog para me ajudar em uma votação que estou fazendo para os prêmios da cafeteria DE Julho, ok?
    abraçços!!

    Gustavo H.R. disse...

    Conferireo essa obra-prima quando sair em DVD. A Pixar é que parece ter a fórmula do scuesso, não mais Spielberg.

    Marfil disse...

    Para mim seria assim Vinicius:

    1. RATATOUILLE
    2. TREZE HOMENS...
    3. 300
    4. SHREK TERCEIRO
    5. HOMEM ARANHA 3
    6. TRANSFORMERS
    7. HARRY POTTER
    8. PIRATAS
    9. QUARTETO

    Vinícius P. disse...

    Até que concordamos em diversas posições, Marfil. Só era trocar as posições de "Piratas" por "Shrek Terceiro" que ficaria quase igual. Esqueci de "300", seria meu nº 2 da lista. Ainda nem vi "Harry Potter"...

    Marfil disse...

    Não perde grande coisa, Vinicius...É o mais fraco da série desde a Era Chris Columbus!

    Anônimo disse...

    Vi "Harry Potter e a Ordem da Fênix" e achei o mais fraco da série, ainda mais que os filmes do Columbus. Meu ranking ficou assim:

    1. Ratatouille
    2. 300
    3. Piratas do Caribe: No Fim do Mundo
    4. Homem-Aranha 3
    5. Treze Homens e Outro Segredo
    6. Harry Potter e a Ordem da Fênix
    7. Transformers
    8. Shrek Terceiro
    9. Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado

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