27.3.08

Deleite seus olhos...



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22.3.08

Cinema nasceu e cresceu sobre os trilhos


O filme está chato? Basta colocar um trem chegando à estação, as rodas rangendo metalicamente, a fumaça poluindo o ambiente, as pessoas que aguardam, os passageiros que descem, os carregadores, os maquinistas... O burburinho. Os trens não servem só para transportar, mas também para animar a festa do cinema.

O cinema nasceu com um trem invadindo a sala de projeção. L'ARRIVÉE DU TRAIN (“Chegada de um Trem”) foi um dos filmes exibidos pelos irmãos Lumière por volta de 1895, ano1 da arte cinematográfica. Segundo consta, a platéia se assustou com aquela locomotiva que "ameaçava" sair da tela.

E foi um trem que marcou o primeiro faroeste e o primeiro blockbuster americano: THE GREAT TRAIN ROBBERY (“O Grande Assalto ao Trem”), que Edwin S. Porter rodou em 1903. Trata, naturalmente, de bandidos que assaltam um trem, são perseguidos e, por fim, presos por policiais... A cavalo.

O filme serviu de modelo para inúmeras produções: DO ASSALTO AO TREM PAGADOR (1962) a O PRIMEIRO ASSALTO AO TREM (1979). Quase sempre, como uma espécie de coadjuvante: Em PACTO SINISTRO (1951), dois homens trocam favores criminosos num vagão de passageiros; Em MATAR OU MORRER (1952), um bandido deve chegar no trem do meio-dia; Em SANGUE SOBRE A ÍNDIA (1959), um oficial inglês protege o filho de marajá numa viagem e em QUINTETO DA MORTE (1955), bandidos resolvem diferenças numa passagem de nível.

Daí para frente, o trem não saiu de cartaz... Há sempre um trem para servir às tramas mais vorazes ou absurdas. São tantos filmes que seguem esse roteiro quanto as estrelas da antiga Metro. Em QUANTO MAIS QUENTE MELHOR (1959), músicos travestidos se juntam a uma banda feminina numa excursão de trem; Em QUINTETO IRREVERENTE (1982), amigos se despedem, com tapas no rosto, dos passageiros de um trem.

Mas os trens também foram "protagonistas". A GENERAL (1927), de Buster Keaton e Clyde Bruckman, é um exemplo clássico. Keaton é o maquinista do Sul que conduz a locomotiva “The General” na guerra civil norte-americana, cruzando linhas inimigas. A "estrela" do filme era uma locomotiva já usada em NOSSA HOSPITALIDADE (1923), de Keaton e Jack Dlystone.

O TREM (1964), conta uma história da resistência francesa. Burt Lancaster é o chefe de estação que luta contra nazistas que pretendem levar um trem repleto de obras de arte. Já nO EXPRESSO DE VON RYAN (1965) é Frank Sinatra quem luta, para libertar 600 prisioneiros, contra os nazistas.

Na série "Expresso", aliás, há muito mais. Marlene Dietrich enfrenta o amor e a revolução em O EXPRESSO DE SHANGAI (1932). Joseph Cotten é capturado por bandidos em O EXPRESSO DE PEQUIM (1951) e Gene Wilder vive paixões e confusões em EXPRESSO DE CHICAGO (1976).


Tem mais: ALIANÇA DE AÇO (1938), de Cecil B. De Mille, conta a história da construção da estrada de ferro que liga os Estados Unidos de costa a costa. TRENS ESTREITAMENTE VIGIADOS (1966) mostra a Segunda Guerra a partir da perspectiva de uma estação. QUANDO A MULHER ERRA (1953) narra uma história de adultério no cenário da Stazione Termini, de Roma.

Às vezes, o protagonista é o profissional ferroviário. Em LA ROUE (“A Roda”), que Abel Gance rodou em 1921, Séverin Mars é o maquinista que adota uma órfã, apaixonando-se. Em O FERROVIÁRIO (1956), Pietro Germi interpreta um maquinista com problemas em casa e em O HOMEM DA LINHA (1986), Jim Van Der Woude é um ferroviário solitário.

Se falta emoção, o trem pode ser a solução. É assim em ASSASSINATO NO EXPRESSO ORIENTE (1974), de Sidney Lumet, uma história de Agatha Christie sobre trilhos; Em A TRAVESSIA DE CASSANDRA (1976), há terroristas e vírus a bordo e em EXPRESSO PARA O INFERNO (1985), fugitivos tentam escapar de um trem sem freios.

Os trens também podem rir. Isto é, propiciar boas gargalhadas. VIUVINHA INDOMÁVEL (1959) mostra uma mulher em luta com o dono de uma ferrovia. BUTCH CASSIDY (1969) conta com humor as peripécias de uma dupla (Robert Redford e Paul Newman) que vive de assaltar trens e bancos. E JOGUE A MAMÃE DO TREM (1987) é uma paródia alucinada de PACTO SINISTRO.

Mais longe das gargalhadas, nos filmes de David Lean há sempre um trem na paisagem. Em DESENCANTO (1945), o mais elogiado de seus filmes intimistas, uma estação ferroviária é o cenário para uma história de amor. E nas superproduções A PONTE DO RIO KWAI (1957), LAWRENCE DA ARÁBIA (1962) E DOUTOR JIVAGO (1965), por exemplo, os trens fazem parte da trama.

Em outras paragens, o trem tem serventia mais poética. Em Federico Fellini, ele é o veículo que conduz a outras realidades. É assim em OS BOAS-VIDAS (1953), no qual a estação ferroviária é a única saída para os rapazes de província e em A CIDADE DAS MULHERES (1980), no qual a travessia de um túnel é uma passagem para o sonho.

Ação, e muita, também é uma presença significativa em várias produções. Um trem descarrila em O MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA (1952), de De Mille; outro atravessa uma parede em JOE KIDD (1972). Um outro leva refugiados em O ÚLTIMO TREM (1973), e um terceiro conduz traficantes de armas em UM TREM DO INFERNO (1976).

Harry Potter andou de trem. E Owen Wilson, Adrien Brody e Jason Schwartzman empreenderam uma VIAGEM A DARJEELING (2007). E até o trem mais famoso do mundo têm um filme TRANSSIBERIAN (2008) deve estreiar logo nos cinemas.

Um trem vai, um trem vem... E o cinema continua fiel a L'ARRIVÉE.

Por Federico Mengozzi (Folha de São Paulo)

19.3.08

A Odisséia de Clarke


Arthur C. Clarke, autor de quase 100 livros, morreu aos 90 anos de idade. Clarke foi um promotor ardente da idéia de que o destino da humanidade situa-se além dos limites do planeta Terra. Tal visão foi apresentada na sua forma mais vívida em 2001: UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO, o filme clássico de ficção científica que criou com Stanley Kubrick.

A Guerra Fria compõe o pano de fundo de 2001. A sua gênese foi um conto chamado "The Sentinel" ("A Sentinela"), publicado pela primeira vez em uma revista de ficção científica em 1951. Ele fala de um artefato alienígena encontrado na Lua, uma pequena pirâmide cristalina que os exploradores da Terra destroem ao tentarem abri-la. Um dos exploradores percebe que o artefato era uma espécie de sinalizador para a eventualidade de mau funcionamento. Ao silenciá-lo, os seres humanos indicaram a sua existência aos distantes criadores da máquina.

Na primavera de 1964, Stanley Kubrick, que acabava de triunfar com o seu filme DOUTOR FANTÁSTICO, conheceu Clarke em Nova York, e os dois concordarem em fazer o "proverbial filme de ficção científica verdadeiramente bom", baseado em "The Sentinel". Isso levou a uma colaboração de quatro anos. Clarke escreveu o livro e Kubrick produziu e dirigiu o filme. Ele conta com crédito conjunto no roteiro.

Muitos críticos ficaram desconcertados com o filme, especialmente com a cena final na qual um astronauta que foi transformado por alienígenas retorna à Terra como uma "Criança-Estrela". No livro o astronauta demonstra os seus novos poderes detonando do espaço todo o arsenal de armas nucleares soviéticas e norte-americanas. Assim como em grande parte do roteiro, esta conclusão não ficou clara no filme, do qual Kubrick cortou a maior parte do material explicativo.

Como escritor de ficção, Clarke foi muitas vezes criticado por não ter criado personagens integralmente concretizados. HAL, o amotinado computador em "2001", é provavelmente a sua criação mais "humana": um ser satisfeito consigo mesmo e que sabe tudo, com um toque de fé equivocada na sua própria infalibilidade.

Se os heróis de Clarke não são exatamente memoráveis, também é verdade que não existem vilões totais na sua obra. Os seus personagens estão geralmente demasiadamente ocupados lutando para encontrar um sentido em um universo implacável para que possam se meter em esquemas mesquinhos de dominação ou vingança.

Entre os seus legados estão as Três Leis de Clarke, observações provocantes a respeito da ciência, da ficção científica e da sociedade, que foram publicadas em "Profiles of the Future" ("Perfil do Futuro"), em 1962:

"Quando um cientista ilustre, mas idoso, afirma que algo é possível, é praticamente certo que ele tenha razão. Quando ele afirma que algo é impossível, ele provavelmente está errado"

"A única maneira de descobrir os limites do possível é aventurar-se um pouco além desses limites, adentrando no impossível"

"Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da mágica"

In Memorian...
Arthur C. Clarke
1917 ~ 2008

Foi Minghella...


O PACIENTE INGLÊS (1996), O TALENTOSO RIPLEY (1999) e COLD MOUNTAIN (2003). É pela realização desses três filmes que Anthony Minghella será recordado em primeiro lugar. Depois vem a direção do Instituto de Cinema Britânico, o telefilme de tanto sucesso que migrou para as salas de cinema UM ROMANCE DO OUTRO MUNDO (TRULY, MADLY, DEEPLY - 1990) e os roteiros que escreveu para o teatro, além da direção e encenação de MADAME BUTTERFLY, de Puccini, na Opera Nacional Inglesa.

Anthony Minghella morreu ontem de madrugada em Londres, no Hospital Charing Cross, aos 54 anos. A notícia vazou perto da hora do almoço e só no meio da tarde a sua agente, Leslee Dart, revelou que o diretor britânico sofreu uma hemorragia cerebral perto das 5hs, na seqüência de uma cirurgia de rotina nas amídalas e pescoço. "A cirurgia tinha corrido bem e eles estavam muito otimistas. Mas ele sofreu uma hemorragia ontem à noite e os médicos não conseguiram pará-la".

A morte de um mito que arrebatou nove Oscars por O PACIENTE INGLÊS em 1997 ocorreu uma semana antes da estréia do seu último trabalho: THE Nº1 LADIES DETECTIVE AGENCY, na BBC1. O telefilme, realizado por Minghella e escrito em parceria com Richard Curtis (QUATRO CASAMENTOS E UM FUNERAL, SIMPLESMENTE AMOR), é uma adaptação do romance de Alexander McCall Smith.

Nascido na Ilha de Wight numa família com mais quatro irmãos que viviam na fábrica de gelo do pai, começou a trabalhar como editor de roteiro para televisão antes de realizar UM ROMANCE DO OUTRO MUNDO, tendo também passado pelo teatro. Licenciado pela Universidade de Hull, era um apaixonado por BECKETT e um autor teatral publicado.

Um dos seus trabalhos mais polêmicos foi a realização de um pequeno filme promocional sobre as eleições internas do Partido Trabalhista, em 2005, em que Gordon Brown e Tony Blair figuravam. Ontem, o ex-primeiro-ministro Tony Blair elogiou o realizador por ser "um ser humano maravilhoso, criativo e brilhante, mas ainda humilde, gentil e uma companhia alegre. Fosse o que fosse que fizesse com ele, pessoal ou profissionalmente, deixava-me com total admiração por ele, como pessoa e como artista do maior calibre".

Minghella era sócio de Sidney Pollack na produtora Mirage, era casado e tinha um filho. Deixou em suspenso dois projetos: NEW YORK, I LOVE YOU e THE NINTH LIFE OF LOUIS DRAX.

In Memorian...
Anthony Minghella
1954 ~ 2008

18.3.08

As Épicas Loucuras de Mankiewicz

Não foi desta vez que a saga colossal e bizarra de CLEÓPATRA, o filme mais caro da história, chegou ao tão aguardado "the end". As filmagens já se arrastam há três anos – e não se tem notícia de uma produção mais caótica, perdulária e escandalosa em Hollywood. Neste mês, o diretor Joseph L. Mankiewicz viajou até Paris para exibir um esboço de montagem da fita ao novo chefão dos estúdios Twentieth Century-Fox, Darryl Zanuck. O executivo ficou de cabelo em pé.

Nessa primeira versão, CLEÓPATRA é um filme confuso, irregular, monótono e excessivamente longo (sem os cortes, são insuportáveis seis horas). Zanuck é craque em consertar, na mesa de edição, as trapalhadas de alguns cineastas, transformando fitas esdrúxulas em filmes no mínimo toleráveis. Mas ele já confessou a pessoas próximas que não sabe o que fazer para dar um jeito em CLEÓPATRA. Para Zanuck, há apenas uma certeza: cedo ou tarde, por pior que seja, o épico estrelado por Elizabeth Taylor e Richard Burton chegará às telas, pois a Fox já não pode voltar atrás num projeto com orçamento estimado em acachapantes 35 milhões de dólares. Os estúdios rivais, contudo, não estão tão certos disso – apostam que a concorrente irá à falência antes de concluir a malfadada aventura.

As últimas cenas foram rodadas em julho, em locações históricas no Egito. Um mês antes, Liz Taylor enfim concluiu seu papel, nos estúdios Cinecittà, em Roma. Mankiewicz chegou tão exausto às últimas semanas da empreitada que tinha de ser carregado numa maca até o set. Desde então, é atormentado por outro desafio monumental: encontrar, entre centenas de rolos e dezenas de horas de filme, os trechos necessários para montar uma trama minimamente coerente. O problema (ou um deles) é que as filmagens jamais foram guiadas por um roteiro definitivo. O texto teve incontáveis e conflitantes versões. Em certo momento, o próprio diretor passou a escrever as cenas de madrugada para rodá-las na manhã seguinte.

Não adiantou: boa parte do material é inútil. A Fox já calcula que será necessário retomar as filmagens mais uma vez para cobrir as enormes lacunas da história. Na reunião em Paris, Mankiewicz ainda tentou convencer Zanuck a dividir o épico em dois filmes de três horas cada. O executivo detestou a idéia. Para ele, o primeiro episódio não levaria ninguém aos cinemas – afinal, Liz e Burton contracenam pouco nessa parte. Ele também confessou outro temor: entre um capítulo e outro, o casal poderia desistir de seu tórrido romance clandestino fora das telas, talvez o único atrativo que ainda salve o filme nas bilheterias. Até o fechamento desta edição, a notícia em Hollywood era de que Liz e Burton ainda estavam juntos, apesar dos numerosos atritos, discussões e bebedeiras (de ambos).

Revista VEJA, outubro de 1962
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